CC Magazine: Fernando Tomé
 

Fernando Tomé




Dados biográficos: Fernando Massano Tomé (10.07.1947)
Iniciação: Vitória de Setúbal.
Sénior: Vitória de Setúbal, Sporting, União de Leiria.
Internacionalizações: 2 internacionalizações AA.

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Corria o ano de 1947, era inventada a câmara Polaroid, Carl Barks criava no Estados Unidos o Tio Patinhas, e em Portugal José Saramago publicava o seu primeiro romance. Também em Portugal e no mesmo ano, nasciam Vítor Damas, Carlos Lopes e... no Porto a 10 de Julho, Fernando Massano Tomé.

Com apenas 18 anos chegou à equipa principal do Vitória de Setúbal, dando o “pontapé de saída” para uma carreira, que o ainda havia de levar até ao Sporting, às Selecções Nacionais e à União de Leiria. Foi uma carreira de mais de década e meia ligada ao futebol ao mais alto nível, onde foi por 2 vezes Campeão Nacional (73/74 no Sporting e 80/81 na 2ª divisão pela União de Leiria) e venceria 4 Taças de Portugal (66/67, 70/71, 72/73 e 73/74), carreira essa, que viria a culminar no início dos anos 80.

O blogue "O Cromo dos Cromos", conseguiu contactar o Fernando Tomé, dando-lhe a conhecer o nosso blogue (que nos confessou já ter visitado) e propondo-lhe uma entrevista, ao qual Tomé de imediato respondeu com um pronto: "... será um prazer colaborar com o Cromo dos Cromos".




Tomé começou a dar os primeiros passos nas camadas jovens do Vitória de Setúbal, chegando à equipa principal, quando tinha apenas 18 anos. Corria a época de 65/66 e, Tetezinho (só para os amigos) rubricava o seu primeiro contrato como profissional.


Cromo dos Cromos: Como é que um menino nascido no Porto, acaba por ir parar às escolas do V. Setúbal e lá, aos 18 anos se tornar profissional?

Tomé: Porque o meu pai era jogador do Académico do Porto, mas natural de Setúbal, e então depois de 7 anos na Covilhã (o meu pai foi a transferência mais cara em 1948), regressámos a Setúbal e aí no Vitória comecei a minha epopeia futebolística.


CC: É verdade, que na sua primeira época como profissional, passou a auferir uns módicos 1.500$ (cerca de 7,50 €) por mês?

Tomé: Foi sim senhor, mas os jogadores tidos como titulares ganhavam mais mil escudos, verba que depois de 4 meses passei também a ganhar.




CC: Foi Fernando Vaz que o chamou à primeira equipa do V. Setúbal. Viria a reencontrá-lo no Sporting. Terá sido um dos treinadores mais marcantes da sua carreira?

Tomé: Além do meu pai por força das circunstâncias, o Sr. Fernando Vaz foi realmente a pessoa que mais me marcou quer desportiva quer socialmente. Quando falo nele fico logo com "pele de galinha". Aproveito já, para na sua pessoa, homenagear todos os treinadores que tive ao longo da minha carreira.


CC: Logo na sua segunda época, na equipa principal do Vitória, venceu uma Taça de Portugal. Foi aquela mítica final de duplo prolongamento frente à Académica. Recorda-se bem desse jogo?

Tomé: Recordo muito bem, mas deixe-me acrescentar que estive convocado na final de 66 contra o Braga mas não me equipei pois não havia substituições. Mas a final com a Académica, foi das coisas mais belas da minha carreira, pois ficará nos anais do futebol português. Não se esqueçam que eram na altura as duas equipas que melhor futebol praticavam em Portugal. É inesquecível o que se passou nessa bela final.

 


CC: A 26 de Novembro de 1969, o V. Setúbal foi a primeira equipa portuguesa a eliminar o Liverpool de uma prova europeia. O Tomé teve papel principal nessa eliminatória, ao apontar o único golo no Bonfim e, quando em Anfield Road, “a meias” com o Geoff Strong, deixou o V. Setúbal a ganhar 2-0. Lembra-se?

Tomé: São coisas que nunca se esquecem, quer para o bem quer para o mal, mas esta ainda hoje recordo com satisfação pois na altura o futebol Inglês era temido por todos, e nós conseguimos explicar ao Mundo do futebol que tudo era possível. E a satisfação dos golos, sim digo golos, porque o 2º em Liverpool, quando o Strong tocou na bola, ela já tinha entrado na baliza. Foi uma jogada do falecido Arcanjo comigo.


CC: Era treinador dessa equipa do V. Setúbal, José Maria Pedroto, outro treinador que certamente o marcou...

Tomé: Também e porque não dizê-lo hoje, que teve muita influência em eu ter saído para o Sporting, pois havia mais jogadores do Vitória que poderiam ter saído. Mas por sua indicação e depois de ter feito a melhor época no Vitória, no jogo de Liverpool sabem o que ele disse na palestra? "Quero uma pelada a dois toques", quis dizer, não percam a bola e evitem as entradas mais duras dos adversários.



 
CC: Por essa altura e já depois, de ter chegado a capitanear a Selecção Nacional de Esperanças, o Tomé já tinha chegado a internacional AA. Estreou-se frente à Suiça em Berna, mas aquele jogo em Wembley, da sua 2ª e última internacionalização, deve ter sido memorável para si...

Tomé: A primeira foi para uma eliminatória do Campeonato do Mundo com a Suíça, mas na verdade em Wembley perante 100 mil pessoas, ouvir o Hino de Portugal, foi qualquer coisa fora do comum para um ser humano. Uma só palavra... CHOREI.




CC: Em 70/71 transfere-se para o Sporting, onde volta a encontrar Fernando Vaz e, logo nessa primeira época de “leão ao peito”, volta a vencer a Taça de Portugal. Numa final e que o Sporting goleou o Benfica, o Tomé entrou para o lugar do Vítor Gonçalves. Recorda-se?

Tomé: Lembro-me para mim foi uma alegria muito grande, fui sim senhor substituir o meu amigo Gonçalves. Tem graça que no dia seguinte, 2ª feira fomos disputar o Troféu Ibérico em Badajoz com o Estrela Vermelha de Belgrado, e as coisas correram mal, perdemos 6-1 com quatro golos de um menino chamado Filipovic que mais tarde veio para o Benfica. A vida do futebol é isto mesmo, depois de uma grande alegria, uma forte tristeza.





CC: Por falar em Taça de Portugal e na época de 70/71, lembra-se da partida frente ao Mindelense em Alvalade? Em que apontou 2 golos na goleada de 21-0 (!) que ainda hoje é recorde da prova?
 
Tomé: Lembro, é um recorde que se calhar nunca mais será batido, digo eu, porque nestes moldes não estou a ver quem possa perder por tantos, mas, há sempre um mas, tenho uma foto desse jogo. Há 3 anos fui a Cabo Verde, Ilha do Sal, e soube que estava lá um jogador dessa equipa, mas não o consegui encontrar.


CC: Depois da saída de Fernando Vaz do Sporting, passou jogar de uma forma algo intermitente, mas mesmo assim foi grande figura, mais uma vez na Taça de Portugal (72/73), ao apontar 2 golos na final, frente ao “seu” V. Setúbal. Está recordado?

Tomé: É pá! Lá tenho que falar numa situação que os meus amigos aqui no Vitória ainda hoje me chamam nomes (estou a brincar). Mas eu respondo que, deviam ter orgulho em ter tido um jogador, que foi vendido não como gato, mas sim como lebre. Foi uma final que vi que ainda a perdíamos, pois a 10 minutos do final estava 3-0, eu e o “Chirola” (Yazalde) saímos e, o Vitória reagiu muito bem na parte final. Fez 2 golos e atirou uma bola à barra. Nessa final, fiz o primeiro golo (que ofereci ao Nelson, mas isso é outra história), e o terceiro de cabeça.


 
 
CC: Estaria mais 2 épocas em Alvalade, onde ainda venceria mais uma Taça de Portugal e, onde seria Campeão Nacional. Mas vamos falar de jogos europeus. O Tomé, na véspera do 25 Abril, não estava em Portugal pois não? Onde estava?

Tomé: Estava em Magdeburgo por ironia do destino, numa coisa má, falhei um golo na parte final do jogo que nos levava à final da Taça das Taças.


CC: Foi certamente uma das eliminatórias que mais lhe custou perder, quando ainda por cima teve oportunidade soberana de colocar o Sporting na final...

Tomé: Foi também um dos momentos mais tristes da minha carreira desportiva, mas continuo a pensar que perdemos a eliminatória em Alvalade. O Dinis falhou um penálti, atirámos 3 bolas aos ferros, só que esse golo não foi tão falado porque no outro dia se deu a Revolução. Mas humildemente já pedi em público desculpa a todos os sportinguistas por esse meu erro.




CC: Em 75/76. foi uma das vitimas da revolução operada no plantel por João Rocha, sendo dispensado, quando totalizava 130 jogos ao serviço do Sporting, nos quais marcou 16 golos. Regressou então ao V. Setúbal. Como foi regressar a “casa”?

Tomé: Por acaso fui eu que não aceitei a proposta do Sporting, porque o meu caso, segundo o Sr. João Rocha foi tratado em reuniões da direcção. Mas sei que não me foram oferecidas outras verbas porque houve directores que disseram, que só se aceitasse as mesmas condições que vinham de há 3 anos atrás, é que continuaria e, eu não aceitei. Entretanto o Vitória abordou-me, eu tinha mais duas propostas de outros clubes, mas regressar a casa foi uma satisfação enorme e por verbas mais baixas do que as que me ofereceram.



CC: Depois de mais 2 épocas no V. Setúbal, foi para Leiria, onde ajudou a União de Leiria a marcar pela primeira vez, presença no nosso principal campeonato. Como foi essa mudança, para uma divisão secundária?

Tomé: É verdade, fui para União de Leiria a convite do Mourinho Félix (pai de José Mourinho), que tinha aceite ser o treinador, mas tenho que contar que antes tinha pedido um “camião cheio de pesetas” ao Deportivo da Corunha para não ir, pois os meus gémeos tinham 5 anos e eu não queria ir para longe. Quem me fez o convite foi o Sr. Lopes da Costa, empresário que trabalhou muitos anos no Troféu TAP, que se disputava em Angola e Moçambique. A mudança foi complicada porque a 2ª divisão ainda tinha muitos campos pelados, a adaptação no principio custou-me muito. Estive para me vir embora, o Mourinho é que me impediu de o fazer. Acabámos por subir a União de Leiria à 1ª Divisão. Foi mais uma grande alegria.




CC: Em 81/82, fez então a sua última época como profissional. Que balanço faz da sua carreira?

Tomé: Fiz a última época como jogador e fomos Campeões Nacionais da 2ª divisão com o Pedro Gomes ao leme da equipa, foi uma despedida como se costuma dizer em beleza, mas o balanço, penso, com modéstia, que foi altamente positivo. Alcancei tudo o que um jogador anseia, tive o privilégio de ter representado 3 clubes, onde consegui ajudar a conquistar Títulos Nacionais, marquei golos nas 3 Competições Internacionais, Taça dos Campeões Europeus, Taça das Taças e Taça das Cidades com Feira, hoje Liga Europa.



CC: Tomé, o "Cromo dos Cromos" continua a teimar em manter viva a memória de todos aqueles que fizeram o nosso futebol, através da “colagem de cromos”. Que pensa no geral sobre este nosso projecto?

Tomé: Com toda a sinceridade é uma "teimosia" apenas com uma palavra para mim... LOUVÁVEL! Porque nos traz à memória de muitos que se lembram de nós, mas ao mesmo tempo dar a outros a oportunidade de conhecer os atletas do passado. Os cromos são na verdade a RELÍQUIA que têm, para os que não nos conheceram, passarem a ter um conhecimento pelo menos retratado de GRANDES FIGURAS do FUTEBOL PORTUGUÊS.


CC: Para finalizar e agradecendo mais uma vez toda a sua disponibilidade, pode deixar umas palavras, para todos aqueles que habitualmente visitam este blogue?

Tomé: Penso que deixei atrás descrito, mas para aqueles que estão a ter a possibilidade de ler esta minha entrevista, que continuem a visitar este blogue, o qual já lhes fornece matéria como nenhum outro, para o conhecimento de vários atletas que representaram o NOSSO FUTEBOL. Um abraço sincero para todos.


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Entrevista: João Brites.
Texto: João Brites.
Agradecimentos: Fernando Tomé, Blogue "Armazém Leonino", Blogue "Arquivos do Vitória".



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